O atual ciclo solar – 25 – está bastante atítipico conforme estudos e observações de cientistas ao redor do globo, como o NOAA (Marinha Americana), ESA (Agência Européia), IPS (Austrália) e outros centros de pesquisa.
E naturalmente, as condições de propagação das ondas eletromagnéticas, são afetadas diretamente por estes fenômenos solares.
Assim, segue abaixo um resumo de conceitos de propagação das ondas de rádio, e mais especificamente focado em Ondas Curtas.
1. Visão geral da propagação em ondas curtas (HF)
A faixa de ondas curtas corresponde aproximadamente de 3 a 30 MHz. O diferencial dessa faixa é a possibilidade de comunicações a longa distância via reflexão/refratação na ionosfera, permitindo múltiplos “saltos” entre a Terra e as camadas ionizadas.
A ionosfera é estruturada em regiões aproximadamente assim:
D: ~50–90 km – praticamente não reflete HF; atua principalmente como camada de absorção, sobretudo abaixo de ~10 MHz em horário diurno.
E: ~90–140 km – pode refletir HF em frequências mais baixas, importante para comunicações regionais (curto/médio alcance).
F1: ~140–210 km – aparece principalmente em horário diurno, em condições de maior ionização.
F2: >210 km (até 350–400 km ou mais) – é a camada mais relevante para DX em HF, presente 24 h, responsável pelos maiores alcances e pelas maiores frequências utilizáveis.
À noite, a ionização diminui fortemente na D e na E; F1 e F2 tendem a se fundir em uma única camada F, mais baixa e menos ionizada, o que altera as frequências máximas utilizáveis, mas reduz a absorção em baixas frequências, beneficiando, por exemplo, 80 e 160 m.
2. Conceitos chave: MUF, LUF, OWF e distância de salto
Três parâmetros são críticos para quem trabalha com HF:
Frequência crítica de uma camada (foE, foF2 etc.): é a frequência máxima que é refletida em incidência quase vertical por aquela camada.
MUF (Maximum Usable Frequency): maior frequência em que é possível estabelecer comunicação entre dois pontos via ionosfera, para um determinado percurso e horário. A MUF depende de:
frequência crítica da camada (especialmente a F2),
ângulo de incidência (portanto, distância do salto),
geometria do circuito.
LUF (Lowest Usable Frequency): menor frequência que ainda permite comunicação com SNR aceitável, limitada principalmente pela absorção na D e pelo ruído atmosférico/man-made. Em momentos de forte ionização da D (alto fluxo solar, flare, alta latitude durante tempestade geomagnética), a LUF sobe e “engole” bandas mais baixas.
Entre LUF e MUF, costuma-se trabalhar próxima da OWF (Optimum Working Frequency), em geral algo como 0,85–0,9 da MUF, onde se obtém melhor compromisso entre intensidade de sinal, estabilidade e probabilidade de propagação.
Outro conceito fundamental é a distância de salto:
Para um dado ângulo de irradiação e altura virtual da camada F2, há uma distância mínima entre transmissor e primeiro ponto em que o feixe retorna à Terra.
Entre o fim da cobertura da onda de superfície e o primeiro retorno da onda ionosférica existe a zona de silêncio, sem cobertura HF confiável se não houver outras rotas (multisaltos, espalhamento, etc.).
3. Modelos e predição de propagação em HF
Hoje, o planejamento sério de circuitos em HF usa modelos padronizados, em especial:
Recomendação ITU-R P.533 – método oficial da UIT para previsão de desempenho de circuitos HF, incluindo:
seleção de frequências disponíveis,
níveis de sinal previstos,
confiabilidade estatística,
dispersão em tempo/frequência da ionosfera.
Modelos de ionosfera:
IRI (International Reference Ionosphere) – modelo empírico de perfis de densidade eletrônica; base para muitos códigos de previsão.
Extensões específicas para regiões polares, aurorais e sub-aurorais, devido à forte irregularidade e absorção nessas áreas.
Esses modelos consomem como entrada:
Número de manchas solares (Sunspot Number, R)
Fluxo solar F10,7 cm
Índices geomagnéticos (Kp, Ap, Dst)
e produzem MUFs, LUFs e probabilidades de propagação ao longo do dia/ano.
Ferramentas operacionais amplamente usadas:
VOACAP/ICEPAC/REC-533 – implementações de P.533 com interface gráfica para planejamento de links e broadcasting.
Mapas de MUF em tempo quase real baseados em ionossondas e GPS TEC (Total Electron Content), oferecidos por agências meteorológicas espaciais (NOAA, Bureau of Meteorology da Austrália, etc.).
4. Estado atual do Ciclo Solar 25 (novembro de 2025)
O Ciclo Solar 25 começou oficialmente em dezembro de 2019 e deve se estender até por volta de 2030.
Previsões iniciais (2019) indicavam um ciclo relativamente fraco, com máximo de manchas solares suavizadas em torno de 115. A atualização de 2023–2024 mostrou que a realidade superou as expectativas: o máximo efetivo ficou bem acima das previsões, com pico suavizado em torno de ~160 em 2024.
Pontos chave:
Pico de atividade:
O smoothed sunspot number atingiu seu máximo por volta de outubro de 2024, com valores pontuais diários de manchas ultrapassando 200.
Situação em novembro de 2025:
O ciclo está ainda em patamar elevado, em fase de platô após o máximo, com fortes episódios de atividade (múltiplas fulgurações de classe X em 2024 e 2025).
Em 11 de novembro de 2025, por exemplo, a região ativa 4274 produziu uma flare de classe X5.16, uma das mais intensas do ciclo, com CME associada e alerta de tempestade geomagnética severa (G4).
Agências como NOAA SWPC, NASA e o bureau australiano vêm atualizando periodicamente as curvas de previsão e observação de manchas solares, F10.7 e índices geomagnéticos, confirmando que o Ciclo 25 é moderado-forte, não fraco como se cogitou inicialmente.
5. Impactos práticos desse cenário na propagação em ondas curtas
Com o Ciclo 25 em máximo recente e ainda muito ativo:
MUFs elevadas e bandas altas “abertas” com frequência
10 m (28 MHz) e 12 m (24 MHz) apresentam aberturas diurnas regulares para percursos intercontinentais, incluindo múltiplos saltos.
15 m e 17 m se mantêm estáveis ao longo do dia para distâncias médias e longas.
Isso é coerente com o aumento de densidade eletrônica na F2, que eleva a foF2 e, por consequência, as MUFs para um dado percurso.
Blackouts de HF em flares intensos
Fulgurações de classe M forte ou X podem provocar apagões de HF (R2–R3 na escala NOAA) na face diurna da Terra, por aumento brusco da ionização na D e consequente absorção maciça em HF, particularmente abaixo de ~20 MHz.
Esses eventos duram tipicamente de minutos a poucas horas, mas podem desorganizar totalmente comunicações de aviação, serviços marítimos e radioamadorismo na região iluminada.
Tempestades geomagnéticas e rotas polares
Tempestades de nível G3–G5 degradam fortemente a propagação em rotas de alta latitude e polares, com:
aumento da absorção em HF (polar cap absorption),
variações rápidas de fase e amplitude (fading seletivo),
deslocamentos de MUF imprevisíveis.
Contexto específico para o Brasil / latitudes médias baixas
Para quem opera a partir de latitudes tropicais/subtropicais (como o Brasil), a fase atual do ciclo é extremamente favorável ao DX em bandas altas:
20, 17, 15, 12 e 10 m com janelas amplas para todos os continentes, especialmente durante o dia e nos flancos da linha cinzenta (sunrise/sunset).
Por outro lado:
bandas baixas (80 e 160 m) sofrem durante o dia por absorção intensa na D;
à noite, com menor fluxo solar e desaparecimento da D, a propagação em 40/80/160 m melhora substancialmente, ainda que sujeita a ruído atmosférico.
6. Recomendações práticas de uso e monitoramento
Para tirar proveito do cenário atual e, ao mesmo tempo, mitigar riscos de interrupção em HF:
Monitorar parâmetros solares em tempo quase real
Acompanhar:
Sunspot Number e F10.7 – indicam tendência de elevação de MUF.
Kp e índices de tempestade geomagnética – antecipam degradação em rotas de alta latitude.
Alertas de flares e R-scale da NOAA (R1–R5) para prever blackouts na face diurna.
Usar modelos e ferramentas profissionais
Para planejamento de rotas fixas (broadcasting, circuitos militares, marítimos, aviação HF):
adotar ITU-R P.533 como base,
implementar previsões com VOACAP/ICEPAC ou softwares equivalentes,
calibrar os modelos com dados ionosféricos regionais (ionossondas, mapas de TEC).
Estratégia operacional para radioamadores e estações experimentais
Em dias “normais” (sem eventos R2+):
priorizar 10–20 m para DX, ajustando a frequência de trabalho para ~0,85–0,9 da MUF prevista;
explorar o “gray line” para saltos longos em 40 e 80 m.
Em dias com Kp alto ou alertas de tempestade:
evitar rotas polares;
preferir percursos de latitudes médias;
reduzir dependência de HF para enlaces críticos, se possível migrando temporariamente para satélite ou links terrestres redundantes.
Em caso de flare forte com blackout na D:
esperar 30–60 minutos após o pico;
testar inicialmente frequências mais altas (onde a absorção cai mais rápido), antes de voltar às bandas baixas.
7. Referências essenciais
ITU-R P.533 – Method for the prediction of the performance of HF circuits.
ITU Handbook – The ionosphere and its effects on radiowave propagation.
Bureau of Meteorology (ASWFC) – Introduction to HF Radio Propagation e dados de manchas solares e previsão de ciclo.
Wilkinson, P. J. (2004). Ionospheric variability and the International Reference Ionosphere. Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics.
Fiori, R. A. D. et al. (2022). Occurrence rate and duration of space weather impacts on HF radio communications. Journal of Space Weather and Space Climate.
NOAA SWPC – Solar Cycle Progression e alertas de clima espacial.
NASA – Solar Cycle Progression and Forecast (previsões atualizadas de R, F10.7 e Ap).
STCE – Solar Cycle 25 Tracking (monitoramento detalhado do SC25).






















